Fabiana Karla estreia peça que trata do preconceito contra os gordos!!!


Os últimos dois meses não foram fáceis para Fabiana Karla. Ainda que estivesse realizando um sonho, não eram raras as vezes em que chorava copiosamente. Acostumada ao carinho e à admiração do público que a acompanha em suas intrépidas aventuras como a Dra. Lorca, em “Zorra total”, ela se atira, a partir desta quinta-feira, no drama. Protagonista da peça Gorda, que, como o nome sugere, fala de uma mulher fora dos padrões estéticos, Fabiana sentiu na pele da personagem Helena o tamanho do preconceito que existe contra quem é, digamos, diferente, pela primeira vez.

— Para mim foi muito difícil ouvir a personagem sendo chamada de porca gorda (pausa). Isso ... nossa, dói no estômago, cara! Fiquei algumas noites sem dormir, chorei muito depois dos ensaios, porque nunca na minha vida me deparei com alguém me agredindo por ser gorda, nada que me ultrajasse pela minha condição física. Nunca fui alvo de grosseria por causa do meu aspecto físico. Isso machuca muito — revela Fabiana.
Logo ela que foi criada numa casa em que a autoestima foi ingrediente indispensável na receita de felicidade: — Meu pai, o primeiro homem que conheci na vida, me dizia que eu era linda do meu jeito. Se eu fosse magra, óbvio que ele faria a mesma coisa. Mas calhou de eu ser assim, cheia de formas, com uma autoestima elevada, graças a Deus. E boa dose dessa autoestima já começa a ser posta à prova. Fabiana, que jamais teve um par romântico na carreira, irá, inclusive, para a cama no palco, usará roupas provocantes, calcinha e sutiã, camisolinha e o maiô com que ela posou, cheia de charme e coragem, para a capa da Canal Extra: — Vou me expor de uma forma que nunca fiz. Se para uma menina magra, gostosona, já é complicado, imagina para mim! Mas, quer saber? Encarei com despudor. Só quero contar uma linda história. O que vier é lucro. Não quero saber o que acham do meu corpo. Quero saber o que acham do meu trabalho e se eu passei a mensagem dessa peça. Para saber se o meu corpo está bom, tenho um cara lá em casa com olho clínico, que se chama Samuel Petroski (o marido), e está vendo tudo embaixo dos lençóis.
— A peça “Gorda” fala do amor de Helena e Tony (Michel Bercovitch), magro e bonitão, e do grande preconceito que os cerca. O que você tem em comum com essa mulher?
— Temos em comum a felicidade, essa coisa solar mesmo. Sou muito alegre. Posso estar no bagaço, mas estou sempre rindo, tentando ver o lado positivo das coisas. Isso me ajudou a ser feliz como eu sou, a me aceitar dentro dos meus padrões. Sempre fui gordinha, na minha adolescência cheguei a pesar 60 quilos. Mas depois que os filhos foram vindo (Laura, 12; Beatriz, 11 e Samuel, 10), já viu, né, um atrás do outro... Sou praticamente uma preá (risos).

— É mais difícil ser gorda hoje em dia, quando o padrão estético é quase encarado como parte do caráter?
— Hoje é difícil, mas já foi mais. Ideal mesmo era o século 15. Mas agora temos o movimento Fat Proud (orgulho gordo) que dá força para quem é gordinho, que traz orgulho e autoestima para nós. Existem marcas que abrem mais os tamanhos para que a gente fique mais bonita, menos envelhecida. As pessoas estão buscando um respeito maior. Fazer essa peça me dá um prazer enorme, porque é uma forma de lutar contra o preconceito.
— O que acha dos médicos que te ligam oferecendo cirurgias do estômago e dietas milagrosas? — Eu morro de rir! Minhas irmãs já fizeram. Mas sou realmente bem resolvida com meu corpo. Sou tão tranquila do jeito que sou... Já tive 60 kg, 75 kg. Atualmente, estou com três dígitos (cerca de 115 kg), mas penso futuramente estar com dois, por uma questão de saúde. E minhas taxas são ótimas! Não faço apologia à gordura, faço apologia ao bem estar. Até porque, para iniciar qualquer etapa de sua vida, é preciso estar bem.
— Se decidir ficar magra, acha que vai sofrer a patrulha das gordinhas?
— Sempre deixei claro: não me sinto nesse compromisso de levantar bandeiras. Sou tão satisfeita do jeito que sou, que no dia em que eu tiver que perder alguns quilinhos vou perder. Mas não vai ser muito, porque não me vejo num padrão muito magro. E sei que muita gente se espelha em mim. Na época da “Dança dos famosos”, houve uma repercussão enorme. As pessoas pediam para eu não emagrecer. Eu, uma pessoa fora dos padrões, representava todas as pessoas que sofriam com algum tipo de preconceito. Recebia muitos emails. Um deles, meu marido nem me deixou ler. Era de uma menina que queria se matar porque era gorda e desistiu após me ver na competição. Isso não tem preço, né?

— Você diz que jamais sofreu preconceito por conta da gordura. Nem na adolescência?
— Só me lembro de ficar mal quando ia a uma loja e queria uma roupa e não tinha o meu tamanho. Aí eu sentia o preconceito, porque a vendedora perdia a vez e me olhava com a cara meio torta. Entrar numa loja, querer uma roupa, ter dinheiro para comprar e não poder levar me deixava mal. Mas sabe o que fazia? Ia na costureira, meu bem! A vida é cruel. Mas sempre fiz tanta limonada com os limões que me davam, que não dei espaço para alguém me sacanear. Sempre fui inteligente, modéstia à parte, pulei a alfabetização, era a menina que estava na bagunça, dava cola do inglês. Jogava vôlei, basquete, handbol. Nunca fui uma geléia escorada num canto.

— E com os garotos? Eles se aproximavam numa boa?
— Tive vários namorados gatinhos! Lembro de um que era noivo e terminou por minha causa. Fiquei assustada. Ele era noivo de uma menina linda, macérrima. E eu não acreditava. Recusei, fiquei nervosa, chorei tanto que não namoramos. Me senti muito culpada. Mas, olha, não é por nada não, fiquei felizinha também, sabe? Foi importante ver que um cara se interessava por mim, mesmo tendo a garota dos sonhos.
— O maridão é muito ciumento?
— Ele diz que não, mas é sim! Já me disse que não vai assistir à peça para não me ver beijando outro cara. Jamais imaginava que, fazendo humor, eu teria um par romântico. Brinco que sou a única mulher que tem um amante de quinta a domingo, sábado tem marido e ainda ganha para isso.
— A exemplo do Tony, ele já ouviu piadinhas por ser casado com uma gordinha?
Que eu saiba, não. Até porque não sou a primeira gordinha na vida dele. Ele gosta! Mas ele conta dos papos machistas, em rodinha de amigos que falam mal de suas mulheres porque deram uma engordadinha aqui ou ali. E fica enojado.
Quanto vale o amor?
“Posso não ser uma Helena de Manoel Carlos, mas sou de Labute”, brinca Fabiana, referindo-se à protagonista de Gorda escrita pelo americano Neil Labute, que já foi montada nos EUA, Europa e América Latina. Dirigida pelo argentino Daniel Veronese, a trama ganhou tradução de Kledir Hamil, da dulpa Kleiton & Kledir. A história começa quando Helena e Tony se encontram, por acaso, num restaurante. Eles travam um diálogo cheio de indiretas e passam a sair. Ao redor de Tony, porém, existem o amigo preconceituoso, Caco (Mouhamed Harfouch), e a ex, Joana (Flávia Rubim). É com eles que acontece o embate contra a discrimação. “É ótimo discutir esse tema. Quanto vale o amor? Me perguntam se eu namoraria uma gorda. E eu devolvo: mas como ela é? É legal, é bacana, é inteligente. o que ela faz? O que importa é o que as pessoas são. Minhas namoradas sempre foram fora de algum padrão e isso me orgulha. E pode dizer aí que Fabiana é meu melhor par romântico”, diz Michel. “Gorda” estreia quinta-feira, no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea.


— O quanto você é vaidosa?
— Sou escrava de cremes, de unhas e cabelos feitos, de perfumes, de cheiros. Quem acha que gordinho não se cuida é louco. Tenho bom senso. Não uso biquíni, roupas muito justas, muito babado, cores que não me favorecem, se bem que até de marrom fico bem, sabia?

— Você escolheu o humor, um gênero que é cercado de preconceito, mas também acaba te protegendo. Já se sentiu discriminada por fazer rir?
— Comecei a entender que o humor é uma arma poderosa. E eu sou tímida. Sempre me defendi com o humor. O preconceito contra o humor sempre houve, desde o tempo de Oscarito. Queria ser a Dercy Gonçalves quando comecei. Ela dizia o que queria, mas tinha uma moral forte, sofrida, passou por coisas duras. Uma vez, queria fazer um curso sobre Tchékhov (dramaturgo russo) e na entrevista fui descartada porque fazia a empregada engraçadinha de “Mulheres apaixonadas”. Foi o único momento em que me senti discriminada. Fiquei muito mal. Sou uma atriz, independente do meu tipo físico ou do gênero que escolhi, tenho sede de aprender e estou aí para mostrar do que sou capaz.


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